Certa vez, em um bate-papo despretensioso com uma grande amiga e mãe de gêmeos, ela me disse: “Não sei o que vou ser quando eles crescerem”. Em um primeiro momento essa frase me soou um pouco indigesta. Fiquei espantada com essa reflexão.
Pensei que, antes da maternidade, estamos empoderadas de identidades como grandes mulheres, profissionais, amigas e ocupamos um lugar na sociedade. Enfim, somos tudo que podemos ser num contexto “sócio-político-econômico-espiritual-familiar”.
Conversamos um pouco mais sobre sua preocupação, mas não aprofundamos o tema. Nos despedimos e fiquei pensando nessa indagação: “Não sei o que vou ser quando meus filhos crescerem”. Fiz essa pergunta a mim mesma e confesso que minhas respostas foram bem vagas. Pensei que com todo o tempo que me sobrará quando meu filho não depender mais de mim, que posso ser astronauta, física, arqueóloga, musicista, veterinária ou o que eu quiser. Pensei nessas possibilidades, porque todas essas profissões eu desconheço. Mas, me sobrando tempo poderia me aprofundar em todos esses temas e eu acharia um máximo.
Lembrei-me da primeira semana que meu filho foi à escola. Tinha apenas 1 ano e 6 meses. Tinha confiança extrema nessa escola para entregar meu filho e nessa fase de adaptação ficaria duas horas por dia, das 13h às 15h. Essa foi nossa grande primeira separação, com as primeiras duas horas com a sensação de “Não sei o que vou fazer quando meu filho crescer”. Obvio que ele chorou um pouquinho na porta da escola para se despedir e sai com o coração aos pedaços. Como psicóloga, sempre disse que os filhos são para o mundo e antes de ser mãe, achava que essa missão era fácil por ser óbvia. Aí, aí…
Voltei para a casa, não quis assumir compromissos neste dia, pois talvez meu filho chorasse tanto que precisasse voltar para a escola e busca-lo mais cedo que o previsto. Já em casa, senti um estranhamento estar com os braços vazios. Ambiente com bebês tem um cheiro muito especial, um cheirinho delicado, encontramos apenas o cheiro de bebê e pela primeira vez nesse tempo todo, nos deparamos com a ausência dele. E me veio novamente a pergunta: “O que vou fazer quando meu filho crescer?”
Fiz um café e nesse dia meu marido também estava nessa missão comigo. Juntos sempre! Foi ideia dele colocá-lo na escola, afinal, como um bom pai, consegue preparar mais facilmente o filho para o mundo. Finalmente tomamos o café para aliviar o vazio e esperar o tempo passar e por alguns momentos achei que o relógio estivesse quebrado, pois essas duas horas não passavam.
E chegou a hora de buscá-lo. Imaginamos que nos contariam que ele chorou, pediu e implorou pelos pais e todas as fantasias que rondam na grande primeira separação entre nós. Entretanto, a professora e os colaboradores da escola disseram que ele tinha ficado muito bem. Comeu, brincou e explorou o ambiente. Confesso que fiquei um tanto perplexa, pois a separação para ele foi menos difícil do que para nós.
E depois de passada a perplexidade, pensei que foi menos difícil para ele porque estamos fazendo um bom trabalho e por isso conseguiu se desprender de nós com certa facilidade. Confia no amor que sentimos por ele a ponto de estar seguro que voltaremos no fim do dia para busca-lo. E é assim que deve ser, pois bons pais colocam os filhos para fora do ninho. O nosso maior desafio é prepará-los para as adversidades da vida e do mundo lá fora.
Quando ele nasceu tive que reorganizar toda a minha vida. Diminuir minha agenda, fazer o tempo durar mais, ver menos meus amigos, deixar as leituras de lado, assistir menos filmes, entre diversas outras adaptações. Fiz toda uma organização para ele ficar bem acomodado na minha vida e, de repente, ele está se independendo. Já não precisa de fraldas, colo e se diverte sozinho ou com os amigos. E a mãe já não é tão necessária e começa a sobrar tempo, aquele que comentamos a pouco.
Claro que continuarei a ser mãe, psicóloga, esposa, amiga e tudo que eu já sou. Entretanto, fiz o tempo esticar tanto nos últimos anos que sobrará horas do meu dia, e, com todo o tempo que sobrar, talvez eu possa ser astronauta, física, arqueóloga, veterinária e até cantora, tudo junto. Quem sabe?
E se fizermos um bom papel de mãe e pai, certamente os filhos irão embora algum dia e carregarão dentro deles tudo o que conseguimos passar de bom e sempre voltarão quando quiserem, precisarem ou sentirem saudades.
Depois de cumprirmos essa missão com êxito, nos sobrará o tempo e seremos melhores em qualquer coisa que decidirmos fazer. Depois da maternidade, mudamos nosso olhar sobre o mundo, somos menos exigentes, mais gentis, persistentes e, sobretudo, mais fortes. Sendo mais guerreiras, qualquer desafio ou sonho parece possível de ser alcançado, afinal, se conseguirmos colocar nossos filhos em um bom caminho e prepará-los para as dificuldades do mundo, todo o resto é possível.
Texto: Elisângela Aparecida Siqueira
Edição e revisão: Rafael Henrique da Silva (Jornalista – MTB: 0089369/SP)
Imagem: Pixabay